Agora que um Tesla Roadster se dirige em direcção a Marte a uma velocidade virtiginosa (ou talvez não), achei por bem publicar o meu guia temático para Terraformar Marte. Com vasta experiência em temas espaciais (já lancei vários balões de São João) peço que me perdoem por qualquer omissão técnica ou por qualquer imprecisão, mas achei por bem utilizar linguagem comum em vez do jargão científico para (cof,cof) tornar a leitura um bocado (cof,cof) mais acessível.
Terraforming Mars é um jogo desenhado por Jacob Fryxelius – que com um nome assim estava predestinado a fazer um jogo deste tipo – e publicado pela FryxGames, distribuído globalmente pela Stronghold Games. Antes de começar a explicar a minha adulação por este jogo, eu queria deixar claro um ponto que é referido por muita gente – e com razão – e que pode afastar algumas pessoas que estejam indecisas em relação ao jogo: A produção do jogo é muito pobre, especialmente se tivermos em conta o seu preço. Os componentes são medíocres tendo em conta o que se vai fazendo hoje em dia e a arte do jogo é, sejamos simpáticos, razoável, mas aqui e ali existem muitos momentos de WTF!!!!! enquanto analisámos a arte de algumas cartas – A foto do cãozinho de estimação do designer ou de alguém seu conhecido?!! E as fotos de minhocas?!! A sério, pessoal! Que é isto!!? Era muito difícil manter uma certa coerência entre estilos?!! (respiração acelerada e histérica seguida de um momento de silêncio)

Agora que fiz a minha parte de polícia da moda e por muito trivial que isto possa parecer a algumas pessoas, não podia deixar passar isto em claro. Dêem-me um desconto. Eu sou aquele anormal que costuma gritar na sala de cinema para a vítima que no grande ecrã está prestes a ser assassinada: “Cuidado! Atrás de ti!”.
Bom, adiante.
Space. The Final Frontier.
Terraforming Mars é essencialmente um jogo de cartas, com um tabuleiro que representa Marte e onde os jogadores vão tentar construir infra-estruturas suas e/ou influenciar o clima do planeta até que este atinja os mínimos para que a vida possa florescer. Trocado por miúdos, para que nós possamos lá viver, explorar os seus recursos e em algumas gerações termos de procurar um planeta novo para Terraformar porque entretanto, demos cabo de Marte.
E vamos fazendo isto através de uma hábil gestão das cartas que temos nas nossas mãos. Cada carta é um projecto que poderemos eventualmente concretizar. Existe um pouco de tudo. Desde a criação de lagos artificiais, à criação de fungos, à construção de espelhos espaciais gigantes. Podemos inclusive fazer com que asteróides colidam com a superfície de Marte para provocar o aquecimento do planeta. E tudo isto tem uma base científica, a maior parte das vezes especulativa, mas ainda assim há que dar mérito ao autor que conseguiu trazer ao jogo uma certa pegada técnica que nos faz sonhar com o dia em possamos desviar um asteróide para cima do estádio do nosso maior rival. Estava a brincar: nem sempre é ciência especulativa! Muita é baseada em tecnologia já existente.

Uma planta aqui, um lago acolá, cidades que brilham, que lindo que está…
Cada jogador começa com uma corporação que lhe dará um determinado número de capital inicial e potencialmente alguns recursos. Se um jogador começar com a SpaceX, começa com um roadster, um boneco vestido de astronauta e um disco do David Bowie.
Depois, cada jogador recebe 10 cartas (existe também uma variante de draft), ou seja, 10 potenciais projectos para começar a Terraformização (esta palavra existe?) de Marte. No entanto, por cada carta que o jogador queira ficar na sua mão tem que pagar 3 Mega-Créditos (euros espaciais). Uma pessoa abriu o escritório à meia dúzia de dias e já está a levar com as finanças em cima! Começa aqui a gestão de mão: com que cartas ficar, que cartas descartar, das cartas escolhidas como potenciar os combos entre elas, em que ordem as jogaremos, etc.

No início de cada ronda, os jogadores biscam 4 novas cartas para a sua mão (excepto na primeira ronda do jogo) e mais uma vez decidem com quantas ficam, pagando o referido imposto às finanças.
Depois, seguindo a ordem de jogada, cada jogador pode fazer 1 ou 2 acções de um variado cardápio que explicarei de seguida.
Menu Terraformation du Planet Rouge
Jogar 1 carta: Para quem desconfiava que guardar cartas na mão tinha como objectivo ser capaz de as jogar posteriormente, muito bem, vocês acertaram. De facto, ao fazer esta acção o jogador pode jogar uma carta da sua mão se: a) tiver dinheiro suficiente para a pagar e b) se cumprir as condições para essa carta ser jogada. Estas cartas podem ser variadíssimas coisas e muitas delas afectam por vezes alguns dos parâmetros que estamos a tentar atingir e que são: criar 9 oceanos no planeta, subir o oxigénio até 14% e fazer com que a temperatura atinja os 8°C. De cada vez que fazemos progresso num destes 3 parâmetros, aumentamos o nosso nível de Terraformação, o que levará a aumentar a quantidade de dinheiro que vamos receber no final da ronda;
Usar 1 Projecto Standard: Estes estão especificados no tabuleiro e não dependem das cartas mas apenas da disponibilidade financeira dos jogadores. São uma espécie de atalho: queres aumentar a temperatura, mas não tens nenhum asteróide no bolso, acabas por pagar mais caro. Estes projectos são variadíssimos: construir oceanos, aumentar a produção de energia, colocar vegetação, construir 1 cidade, etc;
Usar a acção de 1 carta: Algumas cartas têm acções que podem ser realizadas uma vez por ronda;
Converter 8 Plantas num Tile Vegetação: Tens 8 plantas para a troca? Yay!!! Tens direito a colocar um tile de vegetação no tabuleiro e aumentar o nível do oxigénio.
Converter 8 Calor para aumentar a Temperatura: Tens fábricas poluentes e gazes de estufa suficientes para aumentar a temperatura do planeta? Não!! Buuuuuuu! Ok, e 8 unidades de calor, tens? Sim!!! Óptimo, também serve. Parabéns, aumentaste a temperatura de Marte em 2°C.
Reclama 1 “Milestone”: Fizeste algo absolutamente espectacular tal como teres construído 3 cidades ou 8 edifícios? Parabéns!!! Paga 8 euros espaciais às finanças para poderes receber o prémio em Pontos de Vitória!
Financia 1 Prémio: Subornaste os árbitros do campeonato de futebol e achas que tens grandes possibilidades de conquistar o título? Bom, em Marte é parecido mas… gira em torno de coisas mais aborrecidas tais como ter mais dinheiro ou mais produção de ferro ou titânio (bocejo). Se financiares um prémio destes quem cumprir os requisitos ganha pontos extra no final. No entanto pode ser outra pessoa que não tu. Lembra-te que por vezes podes subornar os árbitros e mesmo assim seres incapaz de ganhar o campeonato (ou talvez não).
E mais, conta mais!
Bom, depois de toda a gente ter passado, os jogadores assistem ao seu pequeno império a produzir, com base nas sementes que lançaram durante a fase de acção: Dinheiro, Metal, Titânio, Plantas, Energia, Calor, you name it! Estes novos recursos serão a nossa base de sustento para a próxima de ronda que começará com 4 novas cartas projecto fresquinhas.
Quando os 3 parâmetros atrás referidos são atingidos, o jogo acaba e cada jogador junta ao seu nível de terraformação os pontos extra obtidos no tabuleiro e quem tiver mais pontos (tambores, tambores, tambores)……. é o grande vencedor!!!
O “cherne” da questão: Vale apena?
Oh Orlando, andas aqui a fazer umas piadolas, até parece que não gostas do jogo. Afinal, em que ficamos?
Bom, caro interlocutor imaginário, ainda bem que fazes essa questão, se bem que, sendo tu produto da minha imaginação, saberás por certo o que penso deste jogo. Mas irei verbalizar por escrito para que as dúvidas das 3 pessoas que aguentaram até esta parte do texto, possam ser dissipadas.
Terraforming Mars foi aquele jogo que fui sempre colocando de lado na minha lista de compras. É caro, dizia. Tem minhocas nas cartas, pensava enquanto lia mais uma review apaixonada acerca do jogo. O designer tem menos cuidado com a barba dele do que eu tenho com a minha, argumentava enquanto via mais um vídeo explicativo. E assim fui adiando a compra.
Um certo sábado, durante uma sessão dos “couves de Bruxelas” (sim, esse é o nome do nosso grupo) tive a oportunidade de jogar uma partida de 5 jogadores. Durante o jogo todo tentei detestar o jogo. Detestá-lo como àquele gajo popular que nos roubava as miúdas todas no liceu. Detestá-lo como quem respira antipatia e arrota preconceitos perante o mundo, perante o futuro, perante a inovação… Desculpem. Já estava a descarrilar. Dizia eu que tentei não gostar do jogo, com todas as fibras do meu corpo sabendo de antemão que esse ódio se transformava a cada ronda que passava em admiração. Caramba, o jogo era bom. O jogo era muito bom! Não era apenas hype. O meu preconceito tinha sido derrotado.
Com 1 ou 5 jogadores o jogo brilha. A versão solo é um desafio interessante. Com muitos jogadores há uma disputa interessante sobre a superfície de Marte. Largamos uma pinguinha nas cuecas de cada vez que um adversário joga um asteróide, esperando que não seja sobre a nossa plantação de bananas que ele caia. E quando ele cai no jogador ao lado, suspirámos de alívio: afinal de contas, Marte precisa das suas bananas.
Independentemente do número de jogadores, a gestão de mão é sublime. Tantas opções, tão pouco tempo. Construir um motor produtivo eficiente versus usar esta carta para um benefício imediato. Lucro a longo prazo ou agora mesmo. Tantas opções! E depois, ver o nosso engenho produtivo a carburar, as cartas a fazerem combo entre si e a sentirmo-nos por instantes, o marreta mais esperto à superfície do planeta.
É verdade que algumas cartas são agressivas. No entanto, nunca vi ninguém ganhar uma partida abusando sistematicamente da agressividade. E normalmente custa bastante euros espaciais bancar o Rambo do recreio constantemente.
O jogo é temático. Eu sei, tem minhocas, mas é temático. Tudo parece fazer sentido mesmo que contado pareça o relato de um velhinho senil, numa casa de terceira idade:
“… e mal tive a oportunidade, lancei um asteróide para cima da horta do Tobias, ele perdeu 3 plantas e eu aumentei a temperatura do planeta em 4 graus para de seguida construir uma cidade perto de 2 lagos no centro de Marte…”
O mais impressionante é a sensação de realização conjunta que advém de começarmos todos com um planeta vazio, deserto, e aos poucos irmos trazendo vida, esperança e futuro àquele quadro pintado em tons de laranja. A enorme quantidade de cartas (todas elas diferentes) e a quantidade diferente de estratégias que advêm das múltiplas combinações possíveis, trazem um elevado grau de re-jogabilidade. Terraforming Mars é um exercício de optimização e de optimismo empreendedor em forma de jogo de tabuleiro.
Ontem celebrámos uma nova era da exploração espacial.
Hoje celebremos em volta desta mesa, os nossos sonhos em forma de cartão e cubos de plástico.
Créditos das Imagens (por ordem de entrada): Enoch Fryxelius, www.playatgamegrid.com, www.arabianindustry.com, Jakub Niedźwiedź, Henk Rolleman, Aaron Hall, Carsten Reuter, Pete S., Jordan Booth, http://www.heavyeditorial.files.wordpress.com, Steph Hodge.