LISBOA: um guia temático (conclusão)

Para uma melhor contextualização acerca deste post, pode ser interessante ler os 2 artigos anteriores. Contudo, fica aqui o aviso: Um inclui homens em collants e o outro piadas porcas de nível bastante duvidoso.

Lisboa: um guia temático (parte 1)

LISBOA: um guia temático (parte2)

Removendo o Elefante da loja de porcelana

Em primeiro lugar, eu queria deixar aqui uma pequena clarificação. Eu só faço reviews de jogos que gosto. Normalmente dos jogos que gosto muito. Dada a (in)frequência com que publico, seria de todo masoquista da minha parte se perdesse parte desse pouco tempo livre que tenho a falar de jogos que não gosto.

Por isso, sem qualquer rodeios, deixem-me afirmar que eu adoro o Lisboa. É um jogo que arrebatou de imediato o lugar no meu Top 5 e uma grande parte do meu coração de gamer.

Image by Deb J

Mas vamos ser honestos e completamente transparentes: Lisboa é um jogo difícil de ensinar e incapaz de ser compreendido na sua totalidade apenas com uma partida. Mas isso não é nem uma crítica nem um elogio da minha parte: é a constatação da realidade. Da forma mais lili-caneceira possível. É a constatação de que este jogo é uma sofisticada engrenagem que, ora fará parte dos sonhos molhados de uns, ou dos pesadelos com cheiro a cartão de outros. Será difícil encontrar meio termo aqui. Se calhar até é possível, mas eu, preguiçoso como sou, tenho uma teoria completamente infundada ou mesmo verificada, que assenta em grosseiras generalizações mas que vou expor na mesma:

(imaginem uma vozinha irritante daquelas que convencionalmente associamos a cientistas calvos, de óculos e na casa dos 50 anos, vestidos de branco): Na minha opinião, existem apenas 2 tipos de gamers: Os que esperam com ansiedade a chegada de um jogo para simplesmente o jogar e os que ansiosamente esperam que o jogo corresponda ás expectativas que eles criaram mesmo antes de o jogar. Confusos? Também eu, mas vamos por partes.

A maior parte dos gamers quer é jogar.  Junkies á procura de rasgar o plástico da próxima caixa, cheirar as cartas, os tokens, segurar as peças de madeira na mão. E jogar. Jogar. Jogar. E depois de jogar, arrumar na caixa com devoção religiosa todas as peças como se de relíquias se tratassem. E depois de colocar a caixa na prateleira, ajoelhar e fazer o sinal da cruz, avaliar se o jogo foi bom ou não, se ele nos surpreendeu ou se pelo contrário nos desiludiu e, se o queremos voltar a jogar ou se ele vai directo para a nossa trade list. No fundo, o processo natural da vida onde vamos tirando as nossas conclusões à medida que vamos experienciando as coisas, mas…… nem toda a gente é assim.

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Há um outro tipo de gamers. Os que criam expectativas acerca de como deve ser o jogo que eles ainda não jogaram. Que criam nas suas mentes uma experiência que eles próprios ainda não tiveram oportunidade de viver. Por vezes baseados numa descrição de três linhas, ou numa imagem, ou mesmo até no livro de regras. Mas ler um livro de regras acerca de um jogo, não é o mesmo que o jogar, certo? Caso contrário todos seriamos milionários, possuidores de um corpo fabuloso e seguidores de uma dieta fantástica dada a quantidade de livros que por aí circulam e que nos ensinam a ter tudo isto. Menos o cabelo oleoso. Apenas o Ronaldo consegue ganhar a batalha contra a oleosedade. 

É esta a malta que se queixa do facto de que o Scythe, por exemplo, ter combate a mais, ou de ter combate a menos. Porque cada um, antes de jogar o jogo, tinha idealizado na sua mente o nível de combate ideal que o jogo deveria ter. A realidade meus caros, é que o jogo tem o volume de combate que o designer achou necessário. Assim como o Lisboa tem a complexidade que o Vital achou necessária para poder casar os mecanismos que idealizou com o tema da reconstrução de Lisboa. E nós como gamers, só temos de ficar contentes ou descontentes com o tipo de experiência que o jogo nos proporciona. As nossas expectativas, se forem fundadas em pressupostos ou preconceitos, farão tanta justiça a um jogo quanto um adepto de um clube a julgar a justiça das vitórias do clube rival.

Querida, podes começar a fazer o jantar enquanto eu faço o Setup do jogo

Sim, é um facto. O Setup do jogo é longo. Mas necessário. De que forma poderíamos simular os estragos do terramoto se não andássemos a espalhar cubos pelo tabuleiro?De que forma poderíamos compreender a imensidão de obras públicas que foram edificadas se não tivéssemos que andar a separar os edifícios em 2 pilhas distintas? E se isto vos parece demasiado prosaico, façam como eu, entrem no tema do jogo logo no setup:

(música de elevador) Comecem por colocar todos os cubos enquanto imaginam a destruição de Lisboa a acontecer. Um cubo castanho do saco: desabou um edifício. Um cubo vermelho: um fogo a lavrar na baixa da cidade. Ao separarem os edifícios públicos, imaginem os 2 arquitectos a correrem em direcção ao paço, perucas ao vento e calças em forma de ceroulas, com as plantas dos edifícios debaixo do braço. Os vosso oficiais de estado no vosso tabuleiro, como os vossos familiares à espera de trabalho, desde o primo fanhoso ao tio bêbado. Ao separar os baralhos de cada um dos nobres, pensem que estão a separar as inúmeras cartas que vocês têm na gaveta prontas a serem endereçadas a estas personagens para requisitar uma audiência. Enfim, dêm asas à vossa imaginação, acariciem a vossa peruca imaginária com as mãos, estiquem os braços prontos a sentir a brisa do mar no vosso rosto… esperem… isto é de um outro filme… fiquemo-nos pela frase anterior.

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Image by Uroš Zorić

 

O Lisboa tem a complexidade necessária para um jogo que tenta retratar as transformações estruturais e políticas ocorridas em Lisboa após o terramoto.

(Pimbas, Gonçalo M.Tavares, quero-te ver a fazer um título maior do que este!)

Porque simular toda a empreitada levada a cabo na época de uma forma simples e ligeira, retiraria o brilho e o peso histórico a esse momento de superação nacional. Qual vitória no Euro 2016! Qual vitória na Eurovisão!

E o Vital Lacerda, como amante de Lisboa e orgulhoso Português que é, quis trazer ás mesas do mais ilustre estrangeiro desconhecido, esse sublime momento da história nacional.

Há quem critique o Vital por adicionar pequenas regras em cima de uma base feita de mecanismos já por si complexos. Uma leitura atenta do livro de regras, responderá à maioria dos críticos. Grande parte destas minúcias mecânicas têm a ver com o tema e como o Vital se apropriou dele para construir as engrenagens que constituem o jogo. Muitas delas introduzem um nível de complexidade desnecessário? Talvez. Mas a que é que sabe uma bolacha de chocolate onde faltam as necessárias mas talvez complexas pepitas de chocolate, porque são vistas como um layer extra?

Image by Jinha Yoon

Para terminar, e depois de ter desmontado nos anteriores posts as peças deste puzzle, queria deixar aqui uma pequena simulação da engrenagem em acção, para que vocês possam apreciar na sua plenitude o brilhantismo do relojoeiro Vital Lacerda.

Engrenagem em acção

É o meu turno. Das cartas que tenho na mão decido jogar a carta do Rei na Corte Real. Decido, como minha primeira acção mover o Cardeal. Na sua gaiola teológica ele avança 2 espaços e recolho uma das fichas do clero. Esta permite-me ganhar +2 influência de cada vez que ganho influência. Adiciono esta ficha ao meu tabuleiro. O cardeal ao mover-se, chega ao espaço que activará a Pontuação da Igreja no final do meu turno.

A minha segunda acção é abrir um edifício público. Eu tenho uma planta azul e uma verde. Gasto a minha planta verde para construir o edifício do arquitecto verde. Coloco-o no tabuleiro, ganho o bónus desse espaço: dois oficiais. Isto vem mesmo a jeito, porque como não tinha oficiais suficientes no tabuleiro, teria que pagar por eles para abrir o edifício público. Agora já não será necessário. Recolho também os dois cubos que estavam neste espaço e coloco-os no meu tabuleiro completando assim o meu segundo set. Isto activará o final da primeira fase do jogo no final do meu turno. Coloco este edifício na mesma linha onde havia construido 2 lojas anteriormente: uma azul e uma rosa. Como o edifício pontua lojas azuis e rosa, ganho 4 perucas da minha loja azul e 5 da minha loja rosa. O meu adversário tem também uma loja castanha nesta linha que não pontua, pois não é rosa nem azul. Pimbas! Virtualmente sou um jogador fabuloso.

Mas ainda não acabei. No final do meu turno há a Pontuação da Igreja. Eu descarto uma ficha do clero que me dá 4 perucas e ganho a influência do meu portfólio, neste caso 8. Como tinha recolhido a ficha de clero que me dava +2 influência, ganho um total de 10 influência. Ganho também 1 peruca extra por ter chegado a 10 influência. 

O final da primeira fase foi também activado e ganho por isso 6 perucas pelos meus 2 sets completos de cubos. 

20 Perucas num só turno é mais do que suficiente para ser considerado um fetiche. 

Image by Jinha Yoon

 

 

2 opiniões sobre “LISBOA: um guia temático (conclusão)”

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